Muitas vezes, me pego assustada com o imenso poder que as
imagens coletivas exercem em nós.
Quando engravidei, eu acreditava que depois que minha filha
nascesse eu iria sentir o maior prazer do mundo ao amamentá-la.
Eu acreditava que a cada mamada eu sentaria placidamente, no
lugar que fosse, colocaria o seio para fora e teria aquele bebê lindo, sendo
nutrido pelo meu ser.
Afinal, não é assim que o aleitamento materno é vendido nas
propagandas e na ficção? Aquelas mulheres lindas e sorridentes, amamentando
serenamente aqueles bebês calmos e rechonchudos?
Infelizmente, comigo e com uma boa parcela das mulheres,
amamentar não foi esse “comercial de margarina”.
Amamentar para mim foi muito, muito difícil. Muitos fatores
contribuíram para esta dificuldade.
De início a pega incorreta da minha filha fissurou os meus
dois mamilos que, rachados, sangraram por uns 10 dias. Acertada a pega, e depois de cicatrizadas as fissuras, eu
achei que tudo ficaria bem.
Para minha desilusão, logo depois, eu contraí uma candidíase
mamária que fazia com que a cada término de
mamada eu sentisse coceiras incontroláveis nos seios e fagulhadas profundas nos
mamilos.
Foi uma candidíase extremamente insistente que, mesmo após eu
ter tomado todos os remédios terminados com “zol” do mercado, ter usado
corticóide, ministrado violeta genciana na minha filha e em mim, feito até reza braba,
não houve melhora significativa. Ela ia e voltava com recorrência.
Pra completar o cenário, por quatro vezes ao longo de seis
meses eu fui parar de madrugada no pronto socorro com cólicas renais. Pedrinhas
nos rins básicas pra completar o pacote.
Mesmo diante disso tudo, eu insisti na amamentação.
Durante as mamadas, minha filha também chorava bastante. Ela
mamava um pouquinho e chorava, mamava outro pouquinho e chorava. Pra mim era
muito difícil lidar com este choro. O que eu estava fazendo de errado? O que
ela estava sentindo?
No final do segundo mês ela foi diagnosticada com refluxo.
Segundo o pediatra era por isso que ela chorava durante as mamadas. Fizemos o
tratamento e realmente, lá pelo início do quinto mês ela já não chorava mais ao
mamar.
Entretanto, minha candidíase continuava lá, e o que era pior,
havia se alastrado para o corpo todo. Havia se tornado sistêmica, por mais que
eu ainda estivesse tratando. Numa das consultas ao mastologista acho que o
médico até sentiu pena de mim.
Ainda havia um componente psíquico-emocional para o qual eu
não estava preparada. Eu não conseguia ficar tranqüila, calma e serena
amamentando. Eu não estava conectada a esta ação.
Acredito inclusive que a maioria das mulheres não está.
Atualmente as mulheres têm a sua dimensão masculina muito mais desenvolvida do
que a feminina. Elas trabalham, produzem, criam, competem, conquistam.
Principalmente aquelas que estão dentro do mundo corporativo. Isso faz com que
a dimensão feminina, responsável pela entrega, abertura, cooperação, aceitação,
doação e nutrição fique atrofiada.
No meu caso, eu não sei se por todo o contexto relatado ou se
pelo fato de eu estar mesmo dissociada deste aspecto eu não conseguia fazer
esta conexão. Quantas e quantas vezes eu não amamentei sentada na frente do
computador ou lendo um livro porque “eu precisava fazer alguma coisa”?
Só quando a minha filha completou cinco meses que a minha
ficha caiu ao ponto de eu perceber que esse tipo de amamentação não era
efetiva. Nem para mim, nem para ela. Ela era nutrida sim, de alimento,
exclusivamente. Porém, onde estava a minha presença? No computador, no livro, na
reforma da minha casa?
Não sei se todo o quadro sintomático foi por causa desta
minha desconexão ou se minha desconexão foi reflexo de todo o quadro pelo qual
eu passei. O segredo de Tostines ainda paira no ar, apesar de eu ter uma boa
intuição do que veio primeiro.
Acontece que, quando minha filha completou quatro meses, eu
tive que voltar a trabalhar e tinha que fazer a ordenha para dar a ela. Pouco
tempo depois minha produção de leite caiu bastante e, insistindo na amamentação
eu passei a tomar uma medicação para aumentar a produção.
Mas eu já estava cansada. Bastante cansada. E vinha me
questionando se deveria continuar.
Deveria? Por quê? Por que a Organização* recomendou? Por que
eu tive um parto “natureba” (como dizem por aí) e então deveria que seguir essa
linha? Por que as amigas amamentaram por muito mais tempo?
Não, eu não queria mais prosseguir. Para mim estava sendo
muito difícil e exaustivo e eu não conseguia conciliar todas as coisas.
Para mim era um alívio quando eu dava uma mamadeira para
minha filha e não tinha que sentir coceira, nem dores. Melhor ainda quando era
o pai dela quem dava e eu podia apenas admirar aquela cena linda, dele com ela
no colo e ela olhando fixamente para ele. Ou então eu podia apenas me dar ao
pequeno luxo de ir dormir mais cedo.
E então, eu tomei a decisão de parar de amamentá-la quando
ela completasse os seis meses de vida. Antes de ela completar, eu já conversava
com ela e explicava tudo o que eu estava sentindo e contava a ela sobre minha
decisão. Pedia para que ela entendesse e dizia que ela estaria experimentando
outros sabores da vida.
Quando ela completou seis meses eu ainda continuava a
amamentar mais espaçadamente, é claro, mas ainda assim oferecia o seio para
ela. Alguns dias passados, quando eu oferecia, ela já não pegava mais.
Parei de amamentar de forma consciente, através de uma
escolha estudada e bem elaborada internamente. Sem culpa, sem remorso. Parei de
amamentar, pois sei que nunca deixarei de amar.
*OMS (Organização Mundial da Saúde)
Claudia A. Xavier
Mãe da Olívia nascida de Parto Domiciliar na Água
É Terapeuta de Orientação Transpessoal e
Desenvolve o Programas de Gestação Consciente e Preparação para o Parto